Pesquisadores
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto Oswaldo Cruz IOC/Fiocruz) avançam na criação de novos tratamentos contra a leucemia,
um tipo de câncer que atinge as células de defesa do sangue (os chamados
glóbulos brancos). Apresentadas em um estudo publicado na revista científica European
Journal of Medicinal Chemistry, as moléculas promissoras são
capazes de atuar seletivamente sobre as células cancerígenas, com pouco impacto
sobre os glóbulos brancos saudáveis – uma característica fundamental para o
desenvolvimento de novos medicamentos para esta doença.
“Moléculas
com este potencial de ação são chamadas tecnicamente de ‘hits’. Encontrá-las é o
primeiro passo para o desenvolvimento de novos fármacos”, afirma o pesquisador
Floriano Paes Silva Junior, chefe do Laboratório de Bioquímica de Proteínas e
Peptídeos do IOC/Fiocruz e um dos coordenadores do estudo. Ele recorre a uma
analogia para explicar o valor da descoberta: “Em inglês, a palavra ‘hit’ significa acerto. É
como se, entre dezenas de alternativas, tirássemos um bilhete premiado”,
compara.
Formas
diferentes da doença
As
leucemias incluem diferentes tipos de câncer que afetam os glóbulos brancos do
sangue. Segundo Floriano, a variedade de formas de leucemia é um dos motivos
por que os pacientes apresentam reações diferentes aos tratamentos. “Com origem
em células distintas, cada forma de leucemia apresenta características clínicas
específicas, e a resposta aos fármacos também varia”, diz o pesquisador. A
chamada leucemia linfoide aguda é o câncer infantil mais comum e, apesar dos
avanços no tratamento, ainda é uma causa de morte importante na população com
até 18 anos. Quando há acesso à terapia, crianças e adolescentes diagnosticados
com a doença têm 80% de chance de sobreviverem. Já entre os adultos, este
percentual cai para 65%. Considerando todas as formas de leucemia, o Instituto
Nacional do Câncer (Inca) estima que cerca de 9 mil casos da doença sejam registrados
no Brasil em 2014.
Na busca por novos medicamentos
para combater a doença, os pesquisadores decidiram criar compostos unindo duas
moléculas com atuação já reconhecida na farmacologia. Uma delas faz parte de um
grupo de substâncias denominadas quinonas, que são capazes de atacar células
cancerígenas. Mais especificamente, as moléculas usadas no trabalho derivam de
produtos naturais originalmente extraídos de várias espécies de Ipê e que
atualmente podem ser sintetizadas em laboratório. A outra substância é
classificada pelos cientistas como um "núcleo privilegiado" e
trata-se de uma molécula – pertencente à classe dos triazóis – presente em
diversos compostos com efeito benéfico sobre o organismo.
De
acordo com Floriano, embora algumas quinonas já sejam utilizadas em tratamentos
contra o câncer, há moléculas deste grupo com alto potencial anticancerígeno
que não podem ser administradas aos pacientes porque são tóxicas, causando
danos ao organismo. “Considerando as propriedades do grupo triazol, nós
pensamos: será que ao juntar estas duas moléculas conseguiremos obter um
composto que mantenha a atividade anticancerígena, mas seja menos tóxico? ”,
conta o bioquímico.
Substâncias
promissoras
A
aposta acabou dando certo. Ao todo, 18 compostos foram preparados pelo grupo da
UFF coordenado por Fernando de Carvalho da Silva e Vitor Francisco Ferreira.
Com o apoio da Plataforma de Bioensaios e Triagem de Fármacos do IOC/Fiocruz,
as novas moléculas foram testadas em quatro tipos diferentes de células de leucemia
e também em glóbulos brancos saudáveis. Três destas substâncias foram
consideradas promissoras para o desenvolvimento de novos fármacos, devido à
combinação de duas características desejáveis: a potência para destruir as
células malignas e a seletividade para preservar os glóbulos brancos sadios. Os
experimentos revelaram que, enquanto uma pequena quantidade de um dos compostos
era capaz de matar 50% das células de leucemia, seria necessário usar uma
concentração até 20 vezes maior para provocar o mesmo efeito sobre os glóbulos
brancos saudáveis. Além disso, estas moléculas apresentaram uma atividade mais
pronunciada sobre algumas linhagens específicas de células de leucemia, o que
foi considerado uma característica positiva pelos pesquisadores. Uma das
substâncias, por exemplo, mostrou-se 19 vezes mais potente sobre células de
leucemia linfoide do que sobre aquelas de leucemia mieloide.
“Os
resultados corroboram a ideia inicial de que as células cancerígenas com
perfis genéticos distintos têm respostas diferentes aos fármacos. Essa
seletividade é muito boa para o desenvolvimento de tratamentos, porque quanto
mais específica uma terapia, melhor”, ressalta a também autora do estudo Maria
Eduarda Oliveira, aluna de mestrado no programa de Pós-graduação em Biologia
Celular e Molecular do IOC/Fiocruz.
É
difícil prever quanto tempo será necessário para transformar as novas
substâncias em medicamentos disponíveis para os pacientes. Mas, de forma geral,
são necessários, pelo menos, dez anos de estudos para que uma molécula ‘hit’
chegue até as prateleiras. Na próxima etapa do trabalho, os pesquisadores devem
se concentrar em identificar os mecanismos de ação das substâncias no interior
das células, além de expandir a avaliação da sua toxicidade. A expectativa dos cientistas
é que as moléculas possam se tornar uma alternativa para o tratamento de casos
resistentes ou de reincidência da leucemia linfoide aguda, ajudando a reduzir
as taxas de mortalidade da doença.
Fonte IOC/Fiocruz
Foto ilustrativa
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