30 maio 2011

Só pobre aceita ser cobaia humana.

A experiência de já ter participado como cobaia de pesquisas clínicas e a morte de uma mulher durante um dos testes fizeram o antropólogo uruguaio Roberto Abadie, de 43 anos, aprofundar-se no tema. Ele levantou casos de cobaias humanas no mundo e escancarou a fragilidade das pesquisas no livro The Professional Guinea Pig (Cobaias Humanas Profissionais), ainda sem tradução para o português. O pesquisador diz que há voluntários que fazem mais de um teste ao mesmo tempo, o que pode comprometer os dados.

Abadie chega ao Brasil na quinta-feira, onde dará uma palestra sobre o tema no Hospital
Universitário da USP. Doutor em antropologia e pós-doutor em bioética, atualmente Roberto Abadie é pesquisador visitante do Departamento de Saúde Pública da Universidade da Cidade de Nova York.

ESP- O senhor participou de estudos clínicos como cobaia?
Participei somente de dois testes clínicos de fase 1 para avaliar a toxicidade de duas drogas: uma para gastrite e outra para abrir o apetite de doentes com HIV ou câncer. A primeira era um teste de bioequivalência. A outra era experimental.

ESP- Por que participou dos testes?
Na época, em 1998, eu fazia mestrado no Canadá. Em frente à universidade existia uma organização que fazia testes clínicos. Eles faziam propagandas procurando pessoas sadias, jovens, não fumantes, que não tomassem nenhuma medicação. Prometiam pagamento. Como precisava de dinheiro, liguei. Depois de um questionário, fui chamado para um teste.

ESP- Fizeram algum tipo de exame?
Fiz eletrocardiograma e colhi amostras de urina e sangue. Também preenchi um questionário extenso sobre minha saúde. Fui considerado qualificado. Fiz e esqueci do assunto.

ESP- Por que resolveu pesquisar histórias de outras pessoas?
Porque alguns anos depois uma moça morreu em um teste. Isso me levou a estudar a participação de sujeitos pagos no desenvolvimento de drogas.

ESP- Como funcionam os testes?
A indústria paga de US$ 200 a US$ 300 por dia - os testes podem durar até algumas semanas. A maioria faz um ou dois testes e nunca mais volta. Mas há quem se torne cobaia profissional porque depende do dinheiro para sobreviver.

ESP- Faz disso um meio de vida?
Sim. Tem gente que participa de oito, dez testes clínicos por ano e chega a ganhar mais de US$ 20 mil. É um salário muito superior ao que receberia em ocupação de baixa qualificação, como ser atendente de uma lanchonete, por exemplo. E a indústria, por sua vez, depende dessas pessoas para seus testes.

ESP- A indústria fala dos possíveis riscos? Oferece indenização em caso de reação ou morte?
Eles informam sobre os riscos e benefícios por meio de um documento chamado consentimento informado, que os voluntários assinam no início da participação. O problema é que muitos visam ao lucro e desconsideram os riscos. Formalmente, são informados, mas na prática olham o termo de consentimento como um obstáculo e não como uma oportunidade de saber mais sobre o teste.

ESP- Como assim um obstáculo?
Para as cobaias profissionais, a participação nos testes é um trabalho e o termo de consentimento é só um contrato, um papel a ser assinado para que eles possam receber o dinheiro. Eles são o elo mais fraco da relação. São expostos a riscos imprevisíveis, sobre os quais não têm controle. Se sofrem uma reação adversa séria, podem processar a indústria. Se eles morrem, suas famílias podem e têm recorrido à Justiça. Mas esses são casos extremos. Na maior parte das vezes os riscos não são tão claros e visíveis.

ESP- Há algum medicamento pelo qual a indústria pague mais?
Sem dúvida, os psicotrópicos. A indústria chega a pagar US$ 5 mil para um teste de um novo antidepressivo. Faz isso para atrair os hesitantes. Muitos não participam por achar que essas drogas "mexem com a cabeça". Como não poderia desenvolver esses remédios sem essas pessoas, a indústria oferece uma boa recompensa monetária.

ESP- Os voluntários participam de mais de uma pesquisa ao mesmo tempo? Há controle?
Não existe um registro centralizado nos EUA. Existe a proibição de participar de outro teste em um intervalo de até 30 dias. Mas frequentemente essa regra é contornada por pessoas que apresentam documentos falsos, por exemplo. Participam de dois testes simultaneamente para incrementar os lucros.

ESP- Isso compromete o resultado?
Sim. A prática põe em xeque a validade dos testes clínicos de primeira fase. A FDA (agência americana que regulamenta fármacos) só checa 1% desses testes. E é apenas um monitoramento dos papéis, eles nunca falam com os voluntários ou com os cientistas. É difícil identificar violações às normas éticas.

ESP- No Brasil, o voluntário não pode receber dinheiro. Em geral, ele participa com a esperança de prorrogar o tratamento ou até curar uma doença. Essa é uma falsa expectativa?
A esperança de melhora clínica em pacientes graves é inevitável, faz parte da condição humana. O problema surge quando o paciente acha, erroneamente, que o teste clínico é um tratamento. Os testes são, na verdade, experimentos científicos claramente desenhados para produzir conhecimento sobre uma substância: sua toxicidade, sua eficácia, a dose adequada. Se funcionar, o paciente certamente vai se beneficiar, mas o benefício imediato não deveria ser a principal motivação.

ESP- O senhor é a favor ou contra o pagamento dos voluntários?
Em um mundo perfeito, o altruísmo seria a melhor garantia de uma participação ética. Mas estamos longe disso. Ninguém quer testar uma droga experimental, passar pelo aborrecimento e pelos riscos, se pode comprar depois. Só os pobres topam ser cobaias humanas nos EUA. No Brasil, se o pagamento fosse legalizado, não seria diferente. A prática de pagar é problemática porque explora pessoas vulneráveis. Isso não é fácil num país como o Brasil, onde as instituições são fracas e a capacidade de monitorar desvios é insuficiente. É um problema complexo que precisa ser debatido de forma mais ampla.

Fonte: O Estado de São Paulo/SPBC
Foto Ilustrativa

2 comentários:

  1. Sobre esse assunto, convido os leitores para visitarem o link:www.falandosobreela.blogspot.com/A Bioética segundo Maquiavel parte1 e 2, onde reuni fatos da história recente sobre pesquisas clínicas, o FDA, que não deixam nada a desejar aos clássicos da "teoria da conspiração" holiwoodianos.

    ResponderExcluir
  2. eu so da bahia e gostaria de uma vaga como cobaia nome genival tel 7186082876

    ResponderExcluir

WWF-Brasil

Que marcas você quer deixar no planeta? Calcule sua Pegada Ecológica.