21 janeiro 2010

Harley Rodrigues, deficiente visual de fibra.


Harley Rodrigues Castro, 12 anos, nunca encontrou facilidades na vida. Deficiente visual, ele conheceu a escola com atraso. Somente em 2009 começou a ser alfabetizado em Braille.(1) Harley é filho de uma família humilde de Ceilândia. Os pais estão desempregados. Mesmo assim, a mãe, Edna Rodrigues, 34 anos, leva o filho de ônibus todos os dias de casa para a L2 Sul, onde ele estuda.
Na manhã de ontem, Harley finalmente pôde praticar a leitura aprendida de um jeito especial em um ambiente incomum — o Salão Branco do Senado Federal. O menino e a mãe foram até lá para participar da abertura da 5ª Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência. O objetivo dos dois visitantes é saber o que tem sido feito atualmente no Congresso Nacional para facilitar a vida dos portadores de necessidades especiais.
A programação do evento conta com audiências públicas e homenagens ao bicentenário de Louis Braille, francês responsável pela criação do método de leitura para cegos. Uma versão da Constituição Federal em áudio MP3 também foi lançada ontem. A estréia nacional do filme Além da luz, do cineasta Ivy Goulart, faz parte da programação da semana. O documentário conta a história de seis deficientes visuais brasileiros e relembra a vida de Louis Braille (confira a programação completa).
Um atrativo em especial, porém, prendeu a atenção de Harley e de outras dezenas de crianças e adultos. O cartunista Mauricio de Sousa participou do evento. Os personagens da Turma da Mônica tomaram forma concreta no imaginário da garotada durante a exposição Maurício 50 anos. Esculturas de resina com acabamento detalhado para aumentar a sensação do tato possibilitaram que eles conhecessem, por meio das mãos, os traços de personagens que há muito tempo permeavam seus sonhos. As peças retratam as principais criações de Maurício de Sousa caracterizadas de personagens famosos, como a Monalisa, do pintor Leonardo da Vinci, que virou Monicalisa.
Ao lado das obras, está a descrição em Braille e em língua portuguesa da história dos personagens. “É muito bom conhecer as letras, ainda mais porque eu já gostava do Mauricio de Sousa. Minha professora lê para mim, mas fazer isso sozinho é melhor”, disse Harley, enquanto percorria com os dedos as esculturas. “Ele se sente muito feliz quando visita um lugar novo e se sente incluído, capaz. Quando está só em casa, ele fica deprimido. Ainda falta um caminho longo para a inclusão dos deficientes. Mas só de ver meu filho rindo eu já acho bom”, afirmou a mãe do adolescente.
Adaptações
O desenhista preferido de várias gerações demonstrou consciência sobre a importância de usar a popularidade de seus quadrinhos para educar. Há 10 anos, Mauricio incluiu personagens especiais em seus quadrinhos. Luca é um menino cadeirante que pratica esportes e vive feliz e Dorinha, uma criança cega.


Além das esculturas, há painéis montados para contar toda a trajetória do cartunista. “Tento fazer meu trabalho de uma forma quase jornalística. Procuro retratar coisas que acontecem no dia a dia. E todos temos algum parente ou amigo portador de necessidade especial”, explicou Mauricio. “A Dorinha mostra às crianças como ouvir o som do mundo, sentir seus perfumes e sugere o hábito da inclusão, onde todos se tratam de igual para igual, independentemente de alguma deficiência física”, acrescentou.


O desenhista se arrepende de não ter incluído personagens portadores de necessidades especiais mais cedo nas páginas coloridas de seus quadrinhos. “Não retratar isso era uma falha. Quando eu era pequeno, tinha amigos assim. Mas comecei a desenhar e esqueci. Percebi e comecei uma pesquisa para compor sem preconceitos os personagens com necessidades especiais. Falei com atletas e pessoas de fundações de apoio. Sempre vou buscar inspiração na vida”, informou.
O próximo passo será desenhar uma menina com síndrome de Down. “A intenção é despir as pessoas do preconceito, entrar em uma onda legal e promover um tipo de inclusão real, via meios de comunicação”, explica. Quando Mauricio criou as esculturas expostas no Senado, pensou nas pessoas que não enxergam. “Tentei oferecer um jeito de visualizar mais a Mônica e sua turma, incluir mais essas crianças nesse universo”, explica. Eduardo Cardoso, 12 anos, portador de distrofia muscular, é um dos maiores fãs do cartunista. Quando o menino esteve internado no Hospital Regional da Asa Sul, em 2004, a professora da classe hospitalar Mauricéia Nascimento apresentou a obra de Mauricio de Sousa a Eduardo. Na manhã de ontem, o menino realizou um sonho: ganhou um autógrafo e tirou fotos ao lado do ídolo. “Vou guardar a foto no meu computador para sempre”, disse.
1 - Linguagem especial
O alfabeto para cegos foi criado por Louis Braille em 1829. Ele perdeu a visão aos três anos e, aos 19, aproveitando a idéia de um soldado que usava pontos e buracos para ler mensagens no escuro, fez a adaptação. A partir de seis pontos em relevo, é possível fazer 63 combinações que podem representar letras simples e acentuadas, pontuações, algarismos, sinais algébricos e notas musicais.

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